quinta-feira, 19 de julho de 2018

Considerações sobre a Copa do Mundo


J. Tejo
do Espaço Marxista

A Copa do Mundo na Rússia chega ao fim, tendo a França se sagrado campeã sobre a Croácia. Como em todos os grandes eventos (sobretudo um de caráter mundial), pulularam as problematizações nas redes sociais: daqueles que diziam que "enquanto você grita gol eles te exploram" àqueles que, já nas etapas finais, pintavam a Croácia como sendo o nazismo na terra. Tais abordagens, típicas da esquerda pequeno-burguesa sem inserção de massas, são emblemáticas.

No poema que fez em homenagem a Iessiênin, recém-suicidado, Maiakovsky combate aqueles que atribuíram o gesto suicida ao excesso de bebida e falta de contato com a classe trabalhadora. O poeta refuta: e por acaso os trabalhadores não bebem? Na verdade, explica Maiakovsky, a classe "sabe beber- nada tem de abstêmia". Os críticos, e não Iessiênin, é que não conhecem os trabalhadores. Vejo muito isso nos dias de hoje: os "puros" revolucionários em sua crítica academicista ao carnaval, ao futebol, às novelas da Globo (não se pode negar) etc., isto é, a tudo aquilo que os trabalhadores... gostam. Ao que parece querem nutrir o povo à base exclusiva de realismo socialista stalinista dos anos 30. Para desgosto dos sectários, todavia, a vida não cabe em resoluções emitidas por burocracias partidárias. Aqueles que com sinceridade revolucionária querem construir um mundo novo devem portanto não "pautar" o povo e sim estar-lhe em contato, compreendê-lo, partilhar de seu destino.

O futebol é uma dessas grandes paixões de massa. É de chorar de rir (ou rir para não chorar) o bordão aludido no primeiro parágrafo, "enquanto você grita gol eles te exploram", retrato da miopia esquerdista mais rasa. É da família do famigerado "não vai ter Copa!" de 2014, bravateiro e descolado da realidade- porque os trabalhadores, para os quais tais setores esquerdistas supostamente falam, querem que tenha Copa. O nosso papel é apontar o caráter de classe da Copa, os interesses envolvidos, denunciar a manipulação política e econômica de tal paixão popular- mas isso é feito com o povo, e não "acima" dele.

De um simplismo atroz, também, a acusação de nazista sobre a seleção croata repetida ad nauseam nos dias que antecederam a final. As imagens de braços direitos estendidos entre a torcida e jogadores e sua suposta simpatia pela Ustase foram suficientes para atribuir ao time o infame rótulo. Mas eu penso que as coisas são muito mais complexas que isso. Não é privilégio da Croácia; posições nacionalistas e de extrema-direita ganham corpo cada vez mais no continente europeu. Para ficarmos em um exemplo não muito distante, isso ficou em evidência na vitória do Brexit britânico, como nós do Espaço Marxista comentamos em uma nota de julho de 2016. Engrossa o caldo a situação dos Bálcãs pós-dissolução iugoslava e a guerra étnica e sectária que se seguiu dos anos 90 em diante (curtíssimo espaço de tempo, portanto, para que rancores sejam soterrados e relegados ao passado; por exemplo aqui é reportado que o craque Modric teve o avô assassinado por milicianos sérvios e precisou fugir com a família aos cinco anos de idade). Diante de tudo isso, me pareceu de uma estreiteza atroz deixar de reconhecer por motivos "políticos" o bom futebol apresentado pelo escrete croata (que dirá torcer!, pecado mortal aos olhos dos esquerdistas infantis).

Pelo critério histórico e político, rigorosamente nenhuma seleção mereceria simpatia. A França, subitamente "iluminista" aos olhos dos esquerdistas por enfrentar a nazista Croácia, é o país que em 2017 levou a fascista Marine Le Pen da Frente Nacional ao segundo turno presidencial, logrando 34% dos votos. É um fato progressista que a seleção francesa seja composta por negros e descendentes de imigrantes árabes; mas ninguém pode negar que o país de Mbappé e companhia fez, e faz, muito mais mal aos povos do mundo do que a pequena "nazista" Croácia. E que dizer da CBF e sua seleção, apinhada de bolsonaristas e aecistas e envergando o verde e amarelo imperiais das Casas de Bragança-Habsburgo? "Sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amooor", canta o coxinha- e o esquerdista com ele, apesar de cheio de escrúpulos "políticos" quanto à Croácia.

Esses vícios puristas, incoerentes e fora de lugar -afinal de contas estamos falando de uma partida de futebol e não de um conflito armado-, demandam, como os críticos falavam de Iessiênin mas aqui com toda razão, contato de massa. Assistir um jogo no botequim vale mais que prolixos estudos de gabinete. O trilhardário esporte capitalista é isso que está aí: um negócio cada vez mais elitista -vide a gourmetização dos estádios-, corrupto e mafioso. Como os demais aspectos da vida, só encontrará outra expressão sobre outras bases econômicas e sociais. A luta por um futebol verdadeiramente popular -e sem espaço para expressões fascistas e colonialistas- faz parte da luta maior pelo socialismo. Construímos isso -ou, pobres de nós, assim tentamos- diariamente. É ridículo exigir "saltos" de consciência exponenciais da noite para o dia. Trabalhador bota chato para correr, estejam avisados.

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