Alexandre Lobo
Professor de sociologia
do IFRS de Osório/ RS,
simpatizante do
Coletivo Espaço Marxista
Temas transversais, como gênero, étnica, meio ambiente, por exemplo, são importantes, mas o eixo ainda é a relação capital-trabalho. Mostra disso é a forma em que a educação está sendo tratada. Sobre a atual reforma do Ensino Médio, diversos pontos poderiam ser analisados, mas vou deter-me em duas questões: a falência do ensino e a eterna questão ensino para a cidadania x ensino para o trabalho.
Para poder dizer que o Ensino Médio faliu é necessário responder: como faliu, o que significa falir, qual o critério para se julgar a falência. Mas deve-se ir além, deve-se perguntar "para quem faliu". Um dos argumentos seria que o ensino não ensina, que o aluno não aprende. Mas não se pergunta exatamente qual aluno e nem em que condições. O mesmo sistema de ensino aplicado em realidades diferentes terá resultados diferentes. Se um aluno bem alimentado, filho de pais com superior completo, frequentador de natação e mesmo inglês, tem um bom resultado, embora esse mesmo resultado não seja representativo, está em um mesmo sistema de ensino que outro que não tem o que comer, que o tráfico é um chamativo e um impositivo maior que a escola, e tem baixo rendimento escolar, não se pode dizer que é o sistema que não deu certo. Pensar que determinado sistema escolar funciona ou não, per si, é entendê-lo enquanto autônomo à sociedade enquanto um todo. Há de se pensar se a suposta falência de um sistema de ensino não é reflexo, ou parte, da falência de um sistema social excludente.
De certa forma, o sistema de ensino é propositalmente excludente, e o discurso de seu fracasso é para torná-lo ainda mais excludente. Em nome de sua operacionalidade, em prol do capital, o excluído deve tornar-se força de trabalho barata. Vejamos alguns itens inclusos na seção IV da Lei de Diretrizes e Bases, artigo 17:
Para efeito de cumprimento de exigências curriculares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reconhecer, mediante regulamentação própria, conhecimentos, saberes, habilidades e competências, mediante diferentes formas de comprovação, como: (Incluído pela Medida Provisória nº 746, de 2016)
I - demonstração prática; (Incluído pela Medida Provisória nº 746, de 2016)
II - experiência de trabalho supervisionado ou outra experiência adquirida fora do ambiente escolar; (Incluído pela Medida Provisória nº 746, de 2016)
III - atividades de educação técnica oferecidas em outras instituições de ensino; (Incluído pela Medida Provisória nº 746, de 2016)
IV - cursos oferecidos por centros ou programas ocupacionais; (Incluído pela Medida Provisória nº 746, de 2016)
V - estudos realizados em instituições de ensino nacionais ou estrangeiras; e (Incluído pela Medida Provisória nº 746, de 2016)
VI - educação a distância ou educação presencial mediada por tecnologias. (Incluído pela Medida Provisória nº 746, de 2016)
Em síntese, conteúdos extracurriculares poderão ser incluídos no currículo do aluno. Na prática, isso significa que os alunos de boa condição econômica poderão incluir seus cursos de língua, natação em seus currículos. Alunos de condições econômicas precárias, ao escolherem a profissionalização, poderão incluir seus estágios em empresas em seus currículos. A exploração em forma de "trabalho-aprendizagem" se incorpora a sua grade curricular. O sujeito poderá fazer um curso de nutrição e trabalhar em uma multinacional da alimentação. Sua atividade real e formal poderá ter um nome genérico de forma que possa ser entendida como aprendizagem prática, mesmo que sua tarefa seja de menor qualificação.
Somado tudo isso com o fato de que, mais carente, mais necessidade de ingresso ao mercado de trabalho e de que a nova proposta estrutura-se em apenas um ano e meio ao básico e os demais a formação que o aluno "escolher", teremos uma segregação dada já no ensino médio. O aluno de baixa renda vai ter que decidir seu destino já com 14 ou 15 anos.
A educação se revela e se intensifica como agente de concentração de capital e fabricação de mão de obra.