sábado, 17 de outubro de 2015

Não se pode lutar por uma Síria "democrática" ao lado da OTAN


O YPG -Unidades de Defesa do Povo- curdo anuncia, em sua página (aqui, aqui), a criação da Força Democrática Síria, uma coalizão militar englobando os próprios curdos (YPG e YPJ, a unidade feminina), os cristãos assírios e grupos da chamada "Coalizão Árabe Síria" (como o Jaysh al-Thuwar -fração do Exército "Livre" Sírio- e a milícia tribal Al-Sanadid). Conforme sua declaração oficial, a coalizão busca a construção de uma "Síria democrática", bem como a "defesa de todo povo sírio contra as ameaças externas e internas".

Nós do blog "Espaço Marxista" prestamos total solidariedade à luta do povo curdo, inclusive contra Assad, que defendemos contra a OTAN e o jihadismo. Lutamos pela autodeterminação dos povos e pelo direito a seus próprios Estados nacionais, de forma autônoma e livre das ingerências externas. É óbvio para nós, contudo, que tal meta progressista não poderá jamais ser alcançada em aliança com o imperialismo. É fundamental deixar isso consignado porque, tão logo foi configurada a nova coalização, os ianques salivaram diante da possibilidade de terem aliados confiáveis na luta contra o regime sírio.

Washington mudou de estratégia e apoia agora os grupos árabes no terreno que lhe merecem confiança. Esta segunda-feira, um grupo tribal rebelde sírio confirmou que os Estados Unidos se preparavam para fornecer armas à aliança curdo-árabe-assíria, para o assalto a Raqqa. ["Curdos, árabes e cristãos aliam-se na Síria para combater Estado Islâmico", aqui]

Em verdade, derrotar o ISIS jamais esteve entre as prioridades da OTAN. Ao contrário, utiliza-se do jihadismo para desestabilizar e criar o caos na região, estimulando a disputa sectária e, nesse cenário, facilitar sua intervenção e domínio. A utilização do jihadismo contra os adversários é um expediente clássico do imperialismo, vide o apoio dos ianques aos fundamentalistas contra a União Soviética no Afeganistão. Na Síria, o alvo é o regime de Bashar al-Assad. Para derrubá-lo, objetivo de tudo que há de reacionário na região -da Turquia de Erdogan à monarquia absolutista saudita, passando pelo sionismo-, vale tudo, inclusive fazer vistas grossas a esse mesmo ISIS.

É preciso ter em mente, portanto, que quando os imperialistas falam em patrocinar, treinar e armar grupos combatentes na Síria, têm como alvo -por mais que se fale em "guerra ao terror"- o governo de Assad. Décadas e décadas de rapina já provaram que as forças imperiais não "ajudam" graciosamente. Conforme Trotsky advertia:

Realmente, pode alguém acreditar, por um momento sequer, que Chamberlain, Daladier ou Roosevelt são capazes de declarar uma guerra para defender o princípio abstrato da "democracia"? ["Combater o imperialismo para combater o fascismo", 1938. Em inglês, aqui]

Atualizemos com "Obama" e "Hollande". O entusiasmo ianque pela nova coalizão curda-árabe-assíria deve ser considerado neste sentido: não o do amor pelos povos oprimidos do mundo, pela democracia ou pelo destino da população síria, mas por ver em tal movimento um poderoso aliado a ser utilizado contra Assad. Reiteradamente é dito o quanto o Ocidente busca fomentar a oposição "moderada" ao regime, em vão. Pelo simples motivo de que não existe tal oposição "moderada". Neste texto, o jornalista Robert Fisk, em que pese carregar no tom contra o regime sírio e a intervenção russa, faz galhofa sobre a fictícia oposição síria "moderada", e lembra que o Exército "Livre" Sírio se desmanchou, se é que algum dia chegou a ser um exército de verdade. Nesse cenário, a coalizão curda-árabe-assíria corre perigosamente o risco de se tornar o "homem de confiança" da OTAN em território sírio.

Há setores da esquerda pequeno-burguesa que preferem os ianques à Rússia. Em seu impressionismo pós-moderno, parecem achar Putin um malvado pior que a OTAN. Consideramos essa posição traição de classe. Em um mundo em que a hegemonia absoluta do imperialismo ocidental tem sofrido cada vez mais fissuras, é dever revolucionário emblocar com o lado antagônico, para a construção de uma Frente Única Anti-imperialista que englobe a Rússia, a China, o Irã, o Eixo Bolivariano da América do Sul, os Estados Operários de Cuba e Coreia do Norte, enfim, todos aqueles insubmissos -ainda que retórica ou pontualmente- aos ditames de Washington.

É evidente que, se o Curdistão sírio é oprimido por Assad, não terá melhor sorte com o país ocupado militarmente pela OTAN, integrada pela Turquia do reacionário Erdogan, inimigo figadal dos mesmos curdos.

Nós do blog "Espaço Marxista" temos portanto a seguinte posição: a) aceitar -mas não solicitar, e sem esquecer de que se trata de uma ajuda pouco confiável e motivada por interesses escusos- ajuda ocidental no combate aos grupos wahhabistas. Tal "ajuda" já tem sido dada, em verdade, tanto na Síria (com os bombardeios, de má vontade evidente, no auxílio a Kobane, por exemplo) como no Iraque (com fogo "mui" amigo, como se viu aqui); b) rejeitar, categoricamente, ajuda ocidental contra Assad. Diante do que foi colocado, declaramos que apoiamos os curdos contra Assad; mas, na hipótese dos curdos estarem emblocados com a OTAN contra Assad, estaremos do lado de Assad.
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