sábado, 10 de outubro de 2015

Em defesa do leninismo


Grande parte da esquerda mundial, diríamos a maioria, não se recuperou da crise causada pela desintegração dos Estados Operários do leste e pelo refluxo na arena de classes mundial desde então. Mesmo que estejamos falando de no mínimo duas décadas, o golpe ainda não foi digerido e a cantilena do "fim da História" ressoa profundo em ouvidos impressionáveis. O desamparo de quem já não possui uma URSS, somado à contraofensiva ideológica em escala inaudita, faz com que muitos adentrem meandros pós-modernos, de negação da luta de classes, do papel histórico do proletariado e de seus instrumento clássicos (partidos e sindicatos), de ceticismo quanto à revolução mundial (e mais ainda quanto à possibilidade de construção do socialismo), de incapacidade de mediar as contradições da época à luz de Marx e assim por diante, resultando, ao final, em prostração e frustração- crises existenciais do individualismo pequeno-burguês, contaminando corações que outrora foram (se é que já foram) revolucionários.

O leninismo, a teoria do partido de vanguarda da classe trabalhadora, também é vítima dessa prostração política. O argumento, repetido reiteradamente, é o de que se trata de um formato desatualizado, um fóssil nos dias de hoje, a causar ojeriza na esquerda "descolada" do século XXI. Que tal esquerda muderna seja incapaz de criar raízes junto ao proletariado é sintomático (aliás, na medida em que coloque a centralidade na disputa capital x trabalho, pois também nisso "atualizaram" Marx). Que realize uma revolução, ou um processo minimamente revolucionário, já é pedir muito. Mas, ao invés de reconhecer o caráter inócuo de sua práxis e voltar aos clássicos, a esquerda pós-moderna segue adiante em seu sonho de mudar o mundo no melhor estilo flower power.

É justamente nos momentos de refluxo que devemos nos ater aos princípios. Como Trotsky ensinara:

As épocas reacionárias como a que estamos vivendo não somente desintegram e debilitam a classe operária e sua vanguarda, mas também rebaixam o nível ideológico geral do movimento e retroage o pensamento político a etapas já amplamente superadas. Nestas circunstâncias, a tarefa mais importante da vanguarda é não se deixar arrastar pelo fluxo regressivo, e sim nadar contra a corrente. Se a relação de forças desfavorável impede manter as posições conquistadas, ao menos se deve aferrar à suas posições ideológicas, porque estas expressam as custosas experiências do passado. Os imbecis qualificarão esta política de "sectária". Na realidade, é a única maneira de preparar um novo e enorme avanço quando se produzir o próximo ascenso da maré histórica. ["Stalinismo e bolchevismo", 1937, aqui]

É "sectarismo" insistir no leninismo? Deixemos que os mudernos nos tachem dessa forma. Para nós, é um elogio.

O que há de tão terrível no leninismo? Talvez a sua própria eficácia, apurável in concreto. Aqueles que brincam de revolução têm pavor quando confrontados com algo que pode efetivamente operá-la. Conforme Trotsky, no mesmo texto:

O marxismo encontrou sua expressão histórica mais elevada no bolchevismo. Sob a bandeira bolchevique se realizou a primeira vitória do proletariado e se instaurou o primeiro estado operário.

Bolchevismo é sinônimo de leninismo, mas isso mesmo os pós-modernos sabem. Quando a Oposição soviética adotou para si a alcunha bolchevique-leninista nada mais fazia que, pela redundância, frisar que era ela a herdeira do legado teórico e político de Lênin, e não o partido stalinizado que, apesar de formalmente bolchevique no nome, nada tinha de leninista.

O centralismo democrático é o que dá ao partido tal eficácia. A capacidade dialética de adotar ao mesmo tempo a total liberdade na discussão com a unidade férrea na ação, habilitando-se, na conjugação dos trabalhos institucional e subterrâneo, através de um corpo de pessoal onde cada militante é um quadro, isto é, um dirigente em potencial, à tarefa proposta: nada mais nada menos que a revolução socialista. Por evidente, tal tarefa não é qualquer coisa, e não pode por conseguinte ser qualquer coisa o partido a tocá-la.

Como se vê, esse equilíbrio dialético coloca o partido no fio da navalha. Periga se inclinar para um dos extremos. De um lado, o democratismo, que não é virtude mas defeito, deixando o partido na perigosa sombra da anarquia, com os riscos inerentes inclusive quanto à segurança da organização e de seus membros. De outro, a centralização em excesso, nas mãos de um reduzidíssimo grupo de "Guias Geniais" (quando não nas mãos de um único só!), pequenos chefetes se considerando o farol do socialismo a liderar a malta. Antes de ser ganho irremediavelmente para a concepção leninista de partido, o jovem Trotsky se manifestava nos seguintes termos, em "Nossas tarefas políticas", no longínquo ano de 1904:

Os métodos de Lênin podem levar ao seguinte: a organização do partido [sua liderança] coloca-se a princípio no lugar do partido como um todo; em seguida, o Comitê Central coloca-se no lugar da liderança; finalmente um único "ditador" coloca-se no lugar do Comitê Central. [Em inglês, aqui. O trecho transcrito é retirado de "O Profeta Armado" de Isaac Deutscher]

Ninguém pode negar que o alerta procede. Todavia, como insiste o mesmo Trotsky, já ardoroso bolchevique -e aquela cuja construção ele considerava a maior tarefa de sua vida, a Quarta Internacional, é programaticamente calcada no leninismo, como se vê no "Programa de Transição"-, a degeneração burocrática não é o destino "natural" do partido bolchevique. Pode acontecer, conforme o desenrolar da luta de classes, o grau de avanço -ou atraso- da classe trabalhadora, as circunstâncias materiais e subjetivas em jogo etc., mas não necessariamente.

Nós do blog "Espaço Marxista" reivindicamos o leninismo, que reputamos a melhor ferramenta revolucionária da classe trabalhadora até o presente momento. Não o consideramos "religiosamente", é claro, nem tampouco como a forma "perfeita", no sentido de atemporal e universal, de combate. Mas é o que de melhor temos, conforme a história da luta de classes demonstrou, de modo que, como nos versos de Maiakovsky, nós nos limpamos sob a luz de Lênin/ para seguirmos avante com a revolução ("Vladimir Ilitch Lenin", tradução de Emílio Carrera Guerra).
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