quinta-feira, 21 de junho de 2018

O pioneiro do ecossocialismo


Publicamos abaixo um tributo a Joel Kovel, cujo falecimento se deu em maio deste ano. O texto, da lavra de Michael Löwy, narra a importância de Kovel para a conjugação das lutas marxista e ambiental.

Relembrando Joel Kovel (1936-2018), grande pioneiro do ecossocialismo

Michael Löwy

O passamento de Joel Kovel é uma grande perda não apenas para nós, seus amigos e colaboradores, mas para todo o movimento ecossocialista internacional, do qual ele foi um importante pioneiro.

Encontrei Joel pela primeira vez em uma conferência marxista internacional realizada na Universidade de Nanterre, em Paris, organizada em 2001 por meus amigos do jornal "Actuel Marx". A simpatia mútua foi imediata, e descobrimos um interesse em comum: a necessidade urgente de juntar o "Vermelho" e o "Verde", sob a égide de um novo conceito: ecossocialismo. Sentíamos que a maior parte da esquerda não tinha ainda compreendido a necessidade de um giro ecológico, e acreditávamos que era preciso contribuir para tal re-orientação. A Quarta Internacional, à qual eu era associado, tinha decidido adotar um programa ecossocialista, e Joel se sentiu muito encorajado por essa decisão.

Joel conta a história de nosso encontro em seu livro de memórias "The Lost Traveller’s Dream", mas, do seu jeito modesto, não disse que a ideia de escrever um Manifesto Internacional Ecossocialista foi dele. Eu imediatamente concordei com a sugestão e trabalhamos juntos no documento, após vários rascunhos. Foi como lançar uma garrafa com uma mensagem ao mar.

Contudo, supreendentemente algumas pessoas pegaram a garrafa, e conseguimos realizar um encontro em 2007 em Montreuil, nos arredores de Paris, com a ajuda de Ian Angus e o apoio do conhecido líder indígena Hugo Blanco, que nos disse: "Nós, comunidades indígenas da América Latina, temos praticado ecossocialismo há séculos".

No encontro, que foi animado pelo entusiasmo e energia de Joel, decidimos fundar uma Rede Internacional Ecossocialista [Ecosocialist International Network (EIN)]. Foi uma experiência curta mas que trouxe um grande êxito: a Declaração de Belém. Esse Segundo Manifesto Internacional Ecossocialista, escrito em 2008 por Joel, Ian e eu, foi assinado por centenas de ecossocialistas de 40 países e distribuído -com a ajuda dos camaradas brasileiros- em português e inglês pelos participantes do Fórum Social Mundial que ocorreu em 2009 em Belém do Pará.

Na época Joel já publicara sua obra-prima, "The Enemy of Nature" ["O Inimigo da Natureza"], uma das mais poderosas condenações ecológicas feitas contra o capitalismo já escritas, um clássico do ecossocialismo para as gerações vindouras. Durante todos esses anos nos mantivemos em contato por email e, ocasionalmente, em encontros em Paris, no Brasil ou em Nova Iorque. Uma amizade verdadeira se desenvolveu, baseada na compreensão mútua e no desejo comum de construir o ecossocialismo como uma rede de ideias e ação. Nos últimos anos investiu sua generosa energia no desenvolvimento do ecossocialismo nos Estados Unidos.

Sua decisão de se converter ao Cristianismo nos aproximou ainda mais em nosso interesse pela Teologia da Libertação. Lembro-me de um de nossos últimos encontros: ele organizara, em uma igreja, a projeção de um filme sobre Monsenhor Romero, arcebispo de El Salvador assassinado por gangues paramilitares por denunciar a brutal repressão aos movimentos populares.

Eu devo muito a Joel, aprendi muito com suas obras e fui inspirado por seu inflexível compromisso anticapitalista. Quando ele escreveu sua autobiografia, enviei a ele um pequeno texto para a contracapa, que resumia sua importância para nosso movimento:

"Reunindo espiritualidade radical, socialismo marxista e cosmovisão ecológica, Joel Kovel é um implacável adversário do 'Inimigo da Natureza'- e da Humanidade: o Capitalismo. Com seu pensamento e ação, é um pioneiro do movimento ecossocialista internacional. Seus sonhos são uma janela aberta para um futuro diferente".

Na dedicatória do livro que me enviou em 2017 me chamou de "um companheiro para esses tempos insanos", e assinou como "Joel o Sonhador". Os tempos são mesmo insanos, mas com a ajuda da mensagem vermelha e verde de Joel a esperança de um futuro saudável não está perdida.

Se a vida no planeta Terra for salva da catástrofe ecológica produzida pela insanidade capitalista, Joel Kovel será lembrado como um dos que primeiro ergueram o brado profético por uma mudança ecossocialista, radical, racional e audaz.



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