O texto a seguir é de Susi Leira Lugrís, da Comunidad autónoma da Galícia [Galiza], Espanha, trazendo uma análise da situação político-econômica na Península Ibérica. Reproduzimos aqui o texto da companheira, apesar de possuirmos divergências pontuais.
SITUAÇÃO DA GALIZA, ESPANHA E PORTUGAL NO CONTEXTO DA CRISE GERAL DO CAPITALISMO
A situação atual das formações sociais galega, espanhola e portuguesa há de ser entendida no quadro da crise geral do capitalismo globalizado. Embora existam diversos pontos de vista acerca da origem dessa crise, tudo parece indicar que a responsável principal da mesma foi a deriva disparatadamente depredadora do capital financeiro, hegemônico dentro do capital social global, a dar absoluta prioridade às operações especulativas em detrimento de um tecido produtivo cuja destruição têm aliciado de maneira especialmente acentuada nos setores industrial e agrário.
No caso concreto da Europa, e dentro do quadro referido, destaca a posição predominante do capital financeiro alemão, verdadeiro motor da espoliação da classe trabalhadora e do conjunto dos povos europeus. É a ele que aparecem subordinados os interesses das oligarquias bancárias dos restantes países da Comunidade Europeia. Dentro desta última Galiza, Portugal e Espanha fazem parte do grupo de países em condições mais desfavoráveis, apenas superadas pela Grécia (autêntico laboratório experimental e máximo expoente da brutalidade com que os círculos dirigentes da economia europeia pretendem pôr de joelhos a todo um povo para o submeter aos seus ditados), e uns poucos países mais de economia fragilizada decorrente da desagregação/desmoronamento do “socialismo real” (Roménia, Albânia, Bulgária, etc.).
O caso espanhol espelha muito bem as caraterísticas do processo de integração subalterna de uma economia intermédia (dentro dos parâmetros continentais) na Comunidade Europeia, com amplos setores da sua população em transe de empobrecimento, taxas estarrecedoras de desemprego (em torno ao 25%) e um grave problema de consolidação do Estado nacional-burguês, ainda por resolver, vista a resistência de várias das nacionalidades integradas no seu seio à assimilação forçada, ou dito por outras palavras, a negativa a aceitarem o modelo de estado unitário e conservador simbolizado pela monarquia espanhola. Mesmo assim, nos últimos anos tem-se desenvolvido espetacularmente um capital transnacional de matriz espanhola a estender o seu âmbito de influência no exterior, especialmente na América Latina, com uma prática habitual de espólio dos recursos naturais desses países (com a aquiescência dos seus governantes).
Quanto a Portugal, trata-se de um país de economia fraca e grandemente dependente, com uma classe trabalhadora altamente pauperizada (mais ainda que a espanhola), um setor público praticamente desmantelado, e boa parte das conquistas sociais da Revolução de Abril revertidas por causa da recuperação dos antigos grupos de capital monopolista da Ditadura, hoje subsidiários do capital transnacional.
Finalmente, Galiza, pela sua parte, é uma nação sem estado, desprovida de capacidade de decisão dentro do Estado Espanhol (por mais que possua um regime de autonomia política similar aos estados federados do Brasil), culturalmente colonizada e com seus setores produtivos básicos (agropecuário, pesqueiro e industrial) aniquilados pela integração do conjunto da economia espanhola na Comunidade Europeia.
Deve-se pôr em destaque, em todo este assunto, o rol especialmente nefasto desempenhado por uma classe política posta, na sua imensa maioria ao serviço da banca internacional.
Perante uma situação como acima descrita, quais as possibilidades de superação da mesma por parte das populações empobrecidas (com destaque para as classes trabalhadoras) e aviltadas nos seus mais elementares direitos?
Embora isto vá depender de vários fatores, não tem dúvida que um aspeto determinante na hora de encontrar uma via de saída tem a ver com a capacidade do povo trabalhador — que é quem, a final de contas, paga o custo das crises cíclicas do capitalismo, seja esta ou qualquer outra — para enfrentar os seus opressores: a oligarquia de banqueiros e pessoal político-militar ao serviço deles. E desta perspetiva, considerados em conjunto os três países referidos: Galiza, Espanha e Portugal, semelha ser este último (o mais enfraquecido e fragilizado do ponto de vista económico) aquele a apresentar um maior dinamismo e viço combativo na sua classe trabalhadora e mais camadas humildes. Isso é assim substancialmente por três razões: em primeiro 1ugar, a marcada polaridade social entre ricos e pobres que o caracteriza, por vezes próxima aos standares latino-americanos; em segundo termo as reminiscências, ainda bem visíveis do imaginário e as conquistas da Revolução de Abril; finalmente, a manutenção, ao longo de quarenta anos de democracia política constantemente assediada pela reação, de uma prática sindical com inequívoco sentido de classe, conduzido por organizações políticas de grande e provado prestígio entre a população trabalhadora: o PCP e o Bloco de Esquerda.
Desse sentido de classe — bem escasso na Europa com a exceção de Portugal e Grécia — acham-se em grande medida carentes, embora não de tudo, a Galiza e Espanha onde o regime de monarquia parlamentar-liberal-burguesa emanado do franquismo tem feito recuar espetacularmente, nos últimos decénios, a fortaleza do movimento sindical e popular de outrora — inclusive o nacionalismo galego de esquerda e anti-imperialista — quando não reduzido a cinzas a vitalidade dos movimentos sociais tradicionais. Nesta tessitura, são as formações políticas de feição assemblear recentemente aparecidas no cenário, que estão a levar nos últimos tempos a iniciativa no terreno da oposição ao capitalismo e ao apodrecido sistema institucional próprio da ditadura burguesa. Em quê tudo isto vai dar é algo que por enquanto não sabemos. Da criatividade e capacidade reorganizativa das camadas populares espoliadas é que vai depender que achemos ou não a chave do portão deste beco sem saída, parafraseando uma conhecida canção de combate do trovador português Zé Mário Branco.