Texto construído pelo Comitê Paritário (atual Frente Comunista dos Trabalhadores), no marco dos 50 anos da morte do grande militante.
50 anos do assassinato de Malcolm X
Ele nasceu Malcolm Little, em 19 de maio de 1925. O seu pai era militante da UNIA (Associação Universal pelo Progresso dos Negros).
A UNIA foi criada por Marcus Garvey, num período de desespero para os negros estadunidenses. Depois da Guerra Civil americana, que aboliu a escravidão, houve um período de Reconstrução. Durante esse período, os negros acreditaram que finalmente chegaria a igualdade, somente para terem as suas esperanças destruídas quando o governo federal abandonou o Sul dos EUA nas mãos dos racistas, que restabeleceram várias leis segregando brancos e negros (as leis Jim Crow, que numa tradução livre seria Zeca Urubu). Tudo isso foi garantido pela violência da Ku Klux Klan. Nas primeiras décadas do século XX, aconteceu um auge de linchamentos de negros.
Diante dessa situação, Marcus Garvey não acreditava na possibilidade da integração dos negros à sociedade americana, e defendia a volta à África. Os negros mais conscientes aderiram à UNIA porque viam nela a única alternativa ao racismo e à brutalidade.
O pai de Malcolm foi morto por racistas quando ele tinha seis anos. A partir daí, a sua família se desintegrou. A sua mãe começou a desenvolver problemas mentais, e acabou sendo internada em 1938, por uma mistura de preocupação real com as suas condições psicológicas e de simples intenção racista de deixá-la num depósito de gente. Os irmãos tiveram que se separar.
Sem nenhuma perspectiva de vida, ele entrou para o mundo do crime, e se tornou assaltante, traficante e cafetão. Logo, ele se tornou um dos mais procurados na cidade, até que foi preso, em 1946. Por causa de todo o seu histórico de vida, ele compreendia que a prisão era uma punição racista. Ele começou a estudar, e se tornou um destaque dentro da prisão, participando de grupos de debates, que eram uma atividade que os presos faziam, sempre tentando ligar os temas que abordava à questão racial.
Demônios de Olhos Azuis
Até aí, essa poderia ser a história de um preso que se “regenerou” na prisão. Mas ele conheceu, através do seu irmão mais velho, Reginald, a Nação do Islã.
A Nação do Islã era uma seita religiosa que, apesar do nome, não era ligada às grandes correntes do Islã. Na década de 1930, um caixeiro-viajante chamado Muhammad Fard viajou pelos EUA pregando que os negros eram o povo escolhido de Deus, e que o cristianismo era uma religião criada pelos brancos para ensinar os escravos a virarem a outra face a seus opressores. Segundo a Nação do Islã, Fard era simplesmente Deus encarnado.
Um dos ensinamentos mais importantes da Nação do Islã era que todos os seres humanos tinham sido criados negros e que Yuqub (= Jacó) tinha feito cruzamentos de seres humanos com demônios. Os cruzamentos geravam pessoas cada vez mais brancas, até que ele conseguiu criar os louros de olhos azuis, tão corrompidos que não tinham alma. Por isso, a Nação do Islã chamava os brancos de “demônios de olhos azuis”. É fácil ver, debaixo dessa mitologia religiosa, que eles retratavam de uma forma contundente o racismo da sociedade americana na época. O objetivo da Nação do Islã era que os negros se separassem voluntariamente dos brancos, e vivessem como uma nação à parte, daí o nome do grupo.
Malcolm aderiu de corpo e alma, e um dos sinais disso foi que ele abandonou o nome de Little, de origem cristã e provavelmente dado à sua família por senhores de escravos, e trocou pelo X, significando que ele não conhecia o seu verdadeiro nome de origem.
Com a sua incrível habilidade oratória, Malcolm se tornou, em pouco tempo, depois que saiu da prisão (1952), o principal porta-voz da Nação do Islã, e um dos maiores representantes do povo negro no fim dos anos 1950, quando estava se desenvolvendo a luta pelos direitos
civis.
A peregrinação
Com o tempo, começaram a surgir divergências entre Malcolm X e o líder da Nação do Islã, Elijah Muhammad. O motivo imediato foi que Malcolm descobriu várias atitudes erradas de Muhammad, como o uso dos recursos da Nação do Islã para proveito próprio e casos extraconjugais com mulheres do grupo.
Ao mesmo tempo, como pano de fundo, também acontecia a radicalização do movimento pelos direitos civis. Novas organizações estavam surgindo, como o SNCC (Comitê de Coordenação Estudantil Não-Violento), que usavam métodos de desobediência civil para contestar as leis de segregação racial. Além da direção do pastor batista Martin Luther King, havia setores mais jovens que estavam abandonando o pacifismo e partindo para ações de autodefesa contra a Klan. Era o caso, por exemplo, dos Diáconos Por Democracia e Justiça, e de lideranças que estavam se aproximando do marxismo, como Robert Willians e Stokely Carmichael.
A Nação do Islã, com a sua pregação de uma separação pacífica e religiosa, estava sendo vista cada vez mais como uma organização conservadora, exatamente o contrário do perfil de Malcolm. Essas tensões chegaram ao auge depois da morte do presidente John Kennedy. Quando Malcolm foi entrevistado e perguntaram o que ele tinha achado do assassinato, ele usou a frase “the chicken came home to roost”, um ditado popular com um sentido semelhante a “quem com ferro fere, com ferro será ferido”.
Foi o suficiente para Muhammad pedir a cabeça de Malcolm X. Com a crise política alimentando a sua crise religiosa, e vice-versa, ele pediu dinheiro emprestado para a sua irmã Ella e realizou o hajj, a viagem para Meca, que é obrigatória para todos os muçulmanos que tiverem recursos para fazê-la.
Foi em Meca que ele sofreu a grande mudança da sua perspectiva política. Ele viu povos islâmicos de todas as raças e países unidos na adoração a Deus. Ao mesmo tempo, conheceu dirigentes de vários movimentos de libertação nacional dos países árabes, especialmente os da Frente de Libertação Nacional, da Argélia, que demonstraram a máxima hospitalidade e admiração para com ele.
Unidade afroamericana
A lição que Malcolm X tirou do hajj foi de que é possível que as diferentes raças convivam pacificamente, e o meio que ele encontrou para isso foi a luta pela libertação nacional. Voltando aos EUA, ele criou duas instituições, a Mesquita Muçulmana Inc., de caráter religioso, agora dentro do Islã sunita, e a Organização pela Unidade Afroamericana (OAAU, na sigla em inglês). A OAAU era inspirada, como o próprio nome mostrava, pela Organização pela Unidade Africana, que congregava os novos governos africanos e os movimentos ainda em luta pela independência.
A Nação do Islã tinha ódio do que considerava a traição de Malcolm X, ainda mais porque tinha perdido uma grande parte dos seus adeptos, e chegou a ameaçar ele. Porém, logo ele percebeu que estava sendo vigiado e perseguido numa escala muito maior do que a Nação do Islã teria condições de fazer.
O governo americano via que o discurso muito mais radical de Malcolm X poderia se tornar uma alternativa diante do pacifismo de Martin Luther King. Os próprios documentos da CIA, revelados anos depois, mostram que o maior medo do governo era o surgimento de um líder negro que
unificasse todo o seu povo numa luta contra o Estado.
Era justamente o que Malcolm X estava começando a fazer, ao pregar a autodefesa, como no seu famoso discurso “The Ballot or the Bullet” (O Voto ou a Bala). Pior ainda, quando ele foi convidado para um debate organizado pelo SWP, o partido trotskista americano, perguntaram o que ele achava do capitalismo. Foi quando ele disse a sua famosa frase “não existe capitalismo sem racismo”, e falou que a maioria dos novos governos africanos pós-independência estavam se aproximando do socialismo, o que era significativo. Por isso, o governo americano decidiu que ele não poderia mais continuar vivo.
Em 21 de fevereiro de 1965, durante uma palestra na Mesquita Muçulmana Inc., ele foi atingido por vários tiros. Foram acusados três integrantes da Nação do Islã, que negaram ter cometido o crime durante o resto de suas vidas.
O legado revolucionário
Como vimos, Malcolm X nunca foi marxista. Mas, mesmo assim, através da sua visão religiosa, ele tocou em temas fundamentais para a destruição do racismo: a necessidade da autodefesa, a solidariedade com os movimentos dos povos oprimidos, a ação de massas etc. Ele morreu prematuramente, então coube aos militantes que vieram depois dele desenvolver as suas ideias de forma consistente.
E foi isso o que aconteceu, logo depois da sua morte e, principalmente, depois do assassinato de Martin Luther King, em 1968, se formaram dezenas de organizações marxistas no movimento pelos direitos civis. A mais importante, lógico, foram os Panteras Negras, que nasceram em 1966, organizando ações de autodefesa em Oakland, e que se tornou a maior organização de extrema esquerda estadunidense depois da Segunda Guerra Mundial.
Como o movimento de massas desencadeado com o assassinato do jovem Michael Brown em Ferguson mostrou, os negros continuam a ser o setor mais dinâmico da classe trabalhadora estadunidense, e o que realiza as ações mais radicalizadas. A eleição de Obama, assim como a de Mandela na década de 1990, mostra ao mundo inteiro a atualidade do dilema colocado por Malcolm X: o voto ou a bala. Ou a ilusão eterna da luta por dentro do sistema ou a batalha para organizar a sua derrubada.
19/ 05/ 1925 - 21/ 02/ 1965 |