Detalhe de "Detroit Industry", Diego Rivera (1932-33). |
J. Tejo
Este blog nasceu em fevereiro de 2015, sob os influxos do dificílimo segundo turno entre PT e PSDB na eleição presidencial do ano anterior. Entendi, como sigo entendendo, que deixar de emblocar com o campo petista naquele momento seria um erro de consequências fatais, quiçá literalmente. Afinal, em torno do PSDB se agrupavam as forças que futuramente impulsionariam o bolsonarismo, uma ampla frente envolvendo o que há de mais reacionário no espectro político brasileiro— do Clube Militar (denunciando a "sovietização" do país!) aos integralistas, passando pelo fundamentalismo cristão, todos vitaminados pelo histrionismo anti-esquerda e anti-movimentos sociais que marcou Junho de 2013. Naquele contexto, portanto, diferentemente dos anos anteriores — quando o PT dominava com tranquilidade e enfrentava uma direita menos raivosa, e portanto era possível votar nulo para delimitar posição — era imperioso assegurar a continuidade do PT (na ausência evidente de uma opção real à esquerda) e, assim, impedir ou retardar o ascenso ao poder da extrema-direita. Essa conjuntura foi o pano de fundo de minha ruptura com o PCB, onde militei desde janeiro de 2006. Dando um giro de 180º em relação aos anos anteriores, o partido adotou um ultra-esquerdismo "nem nem" que veio em péssima hora. Essa foi a gota d'água em um processo que já vinha sendo amadurecido, conforme narrei no texto Sobre meu rompimento com o PCB.
A tranquilidade institucional não retornou mesmo após o fim das eleições. Ao contrário, a direita impulsionou um "terceiro turno" que cada vez mais desgastava o PT que, ao invés de se apoiar na classe trabalhadora, preferiu realizar concessões atrás de concessões ao grande capital no plano econômico. Essa conjuntura aproximou militantes e grupos no campo trotskysta que até então estavam isolados, como o Coletivo Lênin e a Liga Comunista, que naquela época deliberavam juntos em um dito "comitê paritário". Fui convidado para participar da iniciativa, o que não poderia recusar dado meu próprio isolamento organizacional, infrutífero diante das tarefas do momento. Para contribuir de forma efetiva criei este blog, o "Espaço Marxista", desde então uma ferramenta de agitprop para divulgação, tradução e publicação de textos, matérias, notas e informes da luta de classes nacional e internacional sob a ótica da nossa posição política. Tal "comitê paritário" teve bons momentos, conseguindo enviar para quase o país inteiro a "Folha do Trabalhador", até então o órgão de imprensa da Liga Comunista e doravante enriquecido com textos dos novos colaboradores.
Ao longo do ano de 2015 fomos aprofundando nossa conversa. Alguns saíram, por divergências metodológicas ou programáticas, e outros — dentre os quais eu, através do "Espaço Marxista" — entenderam que era hora de estreitar os laços e formalizar uma organização propriamente (e não a "confederação" de grupos e militantes de até então). Foi assim que realizamos na cidade de São Paulo, em setembro daquele ano, o congresso inaugural do que veio a ser chamado de Frente Comunista dos Trabalhadores, cujas resoluções podem ser lidas aqui. Sigo reivindicando as posições lá expostas: a grande burguesia internacional precisava "correr atrás" do prejuízo da crise mundial do capitalismo dos anos 2000, o que só seria conseguido com uma brutal ofensiva contra os trabalhadores — que são os que pagam a conta — em escala global. O golpe sofrido pelo PT se insere nesse contexto. O grande capital tinha pressa em implementar o ajuste neoliberal e o governo de Dilma Rousseff, apesar de realizar concessões, era muito lento e hesitante e, horror!, ainda era "vermelho" demais e possuía uma histórica base popular e operária. Era preciso, portanto, substitui-lo por uma direita "puro-sangue", primeiro Temer e, hoje, o bolsonarismo, que à pauta neoliberal acrescenta o obscurantismo terraplanista. Tal ofensiva do capitalismo internacional se repetia (se repete, melhor dizendo) ao redor do globo por meio de todas as armas disponíveis, algumas sutis (via polícias, parlamento, judiciário e mídia, por exemplo, daí "guerra híbrida"— por que enviar marines se o aparato institucional local já está no bolso?) e outras nem tanto, como a intervenção armada aberta. Esse cenário exigia da esquerda a unidade de ação com todo o campo dissidente em relação a Washington (o centro e QG do capitalismo mundial), tornando necessária por exemplo a frente única com Assad na Síria (haja vista que do lado oposto estavam a OTAN e o jihadismo wahhabista) e com as repúblicas do Donbass (pró-Rússia) contra as milícias da extrema-direita ucraniana. Frente única, bem entendida, conforme a tradição trotskysta herdeira dos tempos saudáveis da 3ª Internacional: bater junto mas marchar separado, sem abrir mão da independência política e do próprio programa.
Contudo, rapidamente me desiludi com aquela turma: pareceu claro que o grupo maior, a Liga Comunista, na verdade "incorporou" os demais, a ponto de querer impor resoluções próprias (isto é, anteriores ao nascimento da Frente e que portanto não foram debatidas no novo espaço). A gota d'água foram os ataques que sofri por expressar apoio a Evo Morales em um post no Facebook (sempre ele, essa ágora pós-moderna). Eu não poderia fazê-lo, me advertiram, porque Evo — e por extensão o então campo progressista e bolivariano de Sudamérica — é "burguês". Ora, abstraindo o fato de tal caracterização não ter sido objeto de deliberação na nova Frente, ainda que assim fosse nada mudaria no apoio que deveríamos prestar a Evo (e o golpe militar aplicado no final de 2019, pela direita mais reacionária e racista alinhada a Washington, mostrou claramente o que sempre esteve em jogo). Nesse episódio ficou claro que a Liga Comunista seguia agindo como fração monopolista na novel Frente, mobilizando seus membros contra mim, como é de praxe em organizações burocratizadas.
Ora: se não me sujeitei aos burocratas do vetusto PCB, tampouco me submeteria aos de uma pequena seita esquerdista. Segui adiante meu caminho, portanto, e me reencontrei com os demais companheiros do antigo "comitê paritário" que não participaram do processo de fundação da tal Frente Comunista dos Trabalhadores. Ensaiamos uma nova confederação, outra frente — Frente Resistência — que apesar de ter um nome poético que me agradava muito se revelou uma canoa ainda mais furada e de curtíssima duração. Isso não impediu que chegássemos a ser atacados — a glória! — por outra pequena seita, a Liga Bolchevique Internacionalista (LBI), ataque ao qual respondemos aqui (ainda houve réplica deles à qual sequer demos atenção, afinal não perderíamos muito mais tempo com rixas de seitas).
Tendo a Frente Resistência se desmanchado voltei ao isolamento orgânico, atualizando o "Espaço Marxista" quando possível até que em meados dos 2016 fui procurado por um companheiro igualmente egresso do PCB interessado em erguer uma nova iniciativa. O "Espaço Marxista" deixou de ser um blog, então, e tornou-se um coletivo propriamente, com contatos em diversos pontos do território nacional (sobretudo na tradicional estiva do Porto de Santos). O Coletivo Espaço Marxista (CEM) durou até fins de 2017. Nesta nota de esclarecimento, de outubro daquele ano, é feito um balanço de sua trajetória e me reporto a ela. Findo o coletivo, o "Espaço Marxista" voltou a ser um blog, divulgando e publicando textos de diversos colaboradores.
Mas parece que chegou a hora de encerrar o próprio blog.
O conceito do "Espaço Marxista", sua "ideia", sempre foi o mesmo do texto da aba "Sobre o Espaço Marxista", sofrendo poucas alterações desde sua criação. A síntese está ali: a luta libertária pelo comunismo como uma busca cotidiana, que envolve o engajamento e diálogo com as dimensões cultural, artística, ecológica e espiritual da vida, em suas diversas manifestações. É uma abordagem que rejeita os sectarismos, os exclusivismos, os dogmatismos, as ortodoxias. Penso que a esquerda supostamente revolucionária que não atentar para isso está fadada miseravelmente ao isolamento. Há algo de onanista na verborragia das seitas esquerdistas: uma satisfação exclusivamente pessoal, um orgulho com a própria pureza ortodoxa e... só. Apenas acalenta fantasmagorias que não encontram a menor correspondência na realidade. Como diz James Cannon, quanto mais isolada mais histriônica a seita pode ser: ninguém está ouvindo mesmo. Não posso me conformar com isso.
A luta de classes é uma realidade do aqui e agora e como tal travada, inclusive em sentido filosófico, em cada minuto de nossas vidas (o que é diferente do caricato militante "full time", robotizado e idiotizado pelas máquinas partidárias). Para que tal luta seja travada a contento é preciso estar junto das pessoas e ser inteligível a elas. Não adianta que a organização fale em "poder popular", coloque até mesmo a palavra "popular" em seu nome (e geralmente são nomes pomposos e grandiloquentes) mas siga tendo nenhum apelo... popular. Lembro-me de uma organização cujo jornal se chamava "Palavra Operária"; era um calhamaço em letras miúdas que nenhum operário leria. É duro, mas se a massa não sabe quem foi Marx, sabe muito menos quem foram Lênin e Trotsky; e que dirá Mandel ou Lambert. Não vejo muito sentido, salvo a já aludida satisfação onanista, em repristinar antigas controvérsias de seitas sem a menor repercussão prática no mundo de hoje. Evidentemente é preciso conhecer todos esses autores, suas experiências e produção, mas não cristalizar a vida em torno disso.
De todo o exposto, a esquerda dita marxista hoje se encontra configurada na seguinte forma: à direita, partidos e organizações stalinizados e burocratizados, excrescências jurássicas que mesmo que troquem de nome ou se digam do século XXI seguirão rigorosamente a mesma coisa, haja vista que a velha mentalidade continua; à esquerda (ou esquerda da esquerda), seitas pulverizadas gastando tempo e energia com querelas dogmáticas.
Nesse cenário, desde 2019 as pessoas ainda por trás do blog "Espaço Marxista" — dois "herois da resistência" que sobraram, eu e mais um — entenderam necessário abrir novos caminhos, maturar conceitos, estudar e ler outras coisas, buscar ferramentas, realizar mais e diferentes esforços, enfim, nessa luta diária por emancipação. O blog já pouco poderia ajudar nisso. Em verdade já vinha às moscas há algum tempo, basta ver que ao longo desse mesmo ano de 2019 só foi atualizado em duas ocasiões. Espaços virtuais têm muito disso: com o tempo ficam exauridos e acabam abandonados. É momento de começar novamente. Fechar um ciclo e iniciar outro, naturalmente, pois "viver é tomar partido" e em momento algum estamos nos retirando, muitíssimo pelo contrário, do combate.
Obrigado a quem seguiu conosco até aqui. Nosso afastamento passageiro é sinal de reencontro no futuro, como disse Iessiênin em seu último poema. Logo logo voltamos à carga.