Um dos sintomas da ofensiva neoliberal dos últimos anos -que, no Brasil, não só não estancou como em muitos aspectos recrudesceu, sob os governos do PT- é o ataque impiedoso aos direitos trabalhistas, sob rótulos eufemísticos como "terceirização" e "flexibilização". Tal ataque objetiva não só a piora de direitos existentes (como as novas regras de seguro-desemprego no início deste ano) como a transferência das relações de emprego da alçada legal para a alçada meramente contratual, onde o "negociado" pode vigorar sobre o "legislado", dentro da mais perfeita "liberdade contratual" entre as partes.
Apenas um imbecil, contudo, senão um mau caráter, pode afirmar que há "liberdade" de contratar entre patrão e empregado. Há claramente dois pólos de forças desiguais. Enquanto o trabalhador necessita vender sua força de trabalho, seu único recurso, no desiderato elementar de sobrevivência, o empresário, detentor dos meios de produção -o que já lhe dá vantagem sobre o empregado- objetiva o lucro e, para tanto, quanto mais extrair da força de trabalho comprada, melhor. Cientes desse descompasso, os ordenamentos jurídicos do mundo têm, desde o século XIX, obrigados a ferro e fogo pelas lutas e reivindicações da classe operária, garantido aos trabalhadores direitos que possam atenuar a exploração patronal. Tais direitos de cunho trabalhista são tradicionalmente considerados dentre os direitos sociais, constituindo, dada sua relevância, direitos humanos (ou fundamentais) de 2ª dimensão (sendo os de 1ª dimensão, ordem apenas cronológica, as liberdade clássicas oriundas das revoluções liberais/ iluministas).
A retirada ou o mero enfraquecimento de tais direitos constitui literalmente um retrocesso histórico, portanto. Tal "liberdade contratual" é mentirosa: o que se esconde por trás da falácia é a intenção deliberada de se favorecer o patronato que, liberto das amarras legais, pode contratar conforme entender -isto é, conforme sua conveniência econômica-, e o trabalhador que aceite "se quiser". O famigerado exército de reserva de desempregados típico do neoliberalismo está aí para isso, de modo que, caso o trabalhador não aceite condições rebaixadas, há quem aceite, pois é preciso comer (mesmo que o mínimo!) para sobreviver.
Um novo capítulo dessa cruel investida estamos vendo no Projeto de Lei 4.330 de 2014, que pretende "regulamentar" a prática da terceirização no País, que atualmente só é permitida em atividades-meio, conforme o enunciado nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (que dispõe, explicitamente, que "a contratação por empresa interposta é ilegal"). Caso o projeto seja aprovado, toda terceirização será admitida, inclusive no que tange a "atividades inerentes" (isto é, atividades-fim) da empresa contratante, sem que seja criado vínculo trabalhista entre a contratante e os empregados da prestadora de serviços. É a legalização, portanto, da precarização e da instabilidade das relações de emprego, haja vista a evidente facilidade de se burlar obrigações trabalhistas através da utilização das empresas interpostas. Além disso, a remuneração atual de terceirizados já é quase 30% inferior a de empregados regularmente contratados, conforme dados do DIEESE, de modo que é muito cômodo ao empresariado utilizar tal expediente mais "econômico", em prejuízo do trabalhador e de seu sustento.
Os canalhas da Câmara têm pressa de aprovar a medida, tendo sido aprovado o caráter de urgência da votação, num dia em que a feroz repressão se abateu contra os manifestantes que protestavam (aqui). É claro que têm pressa, pois se trata do interesse de seus lobbistas e doadores de campanha. Nesta quarta (8) o mérito da votação é retomado, e é preciso que a classe trabalhadora combata resolutamente esse ataque aos seus direitos.
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ATUALIZAÇÃO: "Câmara aprova texto-base do projeto que regulamenta terceirização"- link. Em face desse ataque, conclamamos todas as entidades e organizações operárias à GREVE GERAL.