domingo, 5 de abril de 2015

Posições equivocadas sobre a Ucrânia


Segue abaixo, vertido para o português (original aqui), texto do Socialist Fight, seção britânica do Comitê de Ligação para a Quarta Internacional, acerca das posições que as diversas organizações da esquerda britânica têm adotado sobre a questão ucraniana. Os interessados em conhecer mais a fundo o cenário local e compreender melhor os episódios e grupos citados no texto, podem entrar em contato através do email socialist_fight@yahoo.co.uk.

Na Ucrânia há três posições equivocadas que reivindicam o nome do trotskysmo, oscilando entre suas margens e as margens do stalinismo (ao menos na Grã-Bretanha). Essa última é mais ou menos a de uma apoio acrítico a Putin e aos líderes de Donbass. Ninguém nesta lista defende esse posicionamento, apesar de terem sido por muitas vezes falsamente acusados disso por Michael Calderbank e outros por aí para encobrir seus próprios rastros políticos. O único autodeclarado grupo nessa posição são os posadistas, que em verdade se afastaram até mesmo do trotskysmo centrista em meados dos anos 50. Seu correspondente stalinista seria o CPGB (ML) de Harper Brar.

À esquerda disso, na política interna britânica, mas à direita na questão imperialista, está toda a gama de grupos centristas pequenos burgueses de origem trotskysta, a AWL, a USFI (Socialist Resistance [ligado ao Secretariado Unificado mandelista]), o SWP, Workers Power (e o RCIT baseado na Áustria, ao qual Laurence [Humphries] se juntou), o SP e o SA (Socialist Appeal [corrente-mãe da Esquerda Marxista do PT brasileiro]) na Grã-Bretanha, junto com os grupos internacionais como o NPA francês e os morenistas latinoamericanos, que tomaram uma espantosa posição pró-imperialista na Líbia e vão pelo mesmo caminho na Síria e na Ucrânia. Eles sequer podem defender um duplo derrotismo, como seria o caso de um conflito inter-imperialista aberto. É um agrupamento se movendo constantemente ao social-chauvinismo de direita, mas há duas exceções que conhecemos.

As exceções são o Workers Party e o SA que adotaram posições relativamente boas na Ucrânia após posicionamentos muito ruins sobre a Líbia e Síria. O patrocínio do imperialismo angloamericano a grupos abertamente fascistas lhes chocou e lhes empurrou, de alguma forma, para a esquerda. Mas eles continuam centristas e não trotskystas porque fracassam em defender a derrota de sua própria classe dominante e a vitória de Donbass. Fracassaram em celebrar a vitória das forças antiimperialistas em Debaltseve. Esse agrupamento inclui o RCIT e pode ser chamado de "shachtmanista de esquerda", a linha do "nem Washington nem Moscou, e sim a classe trabalhadora mundial". Eles caracterizam a Rússia e a China como imperialistas e têm uma visão pusilânime do conflito, conforme analisamos em nossos artigos sobre o Workers Party (1) e a saída de Laurence Humphries do RCIT (2).

Eles postulam uma pura classe trabalhadora sindicalista acima de nações e da História, nem pró-imperialista nem antiimperialista, e sim "a classe trabalhadora independente". Tal entidade mítica do shachtmanismo nunca existiu nem poderia. Trabalhadores são pró-imperialistas quando pertencem a nações imperialistas e antiimperialistas se pertencem a nações semicoloniais. Assim, há os agentes e burocratas sindicais que são agentes estatais de segunda classe, e partido operários burgueses que são partidos capitalistas e imperialistas de segunda classe.

A tarefa do partido revolucionário é fazer com que a classe desenvolva sua consciência, sempre embrionária, por exemplo através da solidariedade com a Resistência Antifascista Ucraniana e esclarecendo os aspectos do conflito

E agora o stalinismo e a stalinofobia. Percebemos três tendências na reunião pública do New Communist Party (NPC) que ocorreu há algumas semanas. O CPGB (ML) com sua posição sobre imigração próxima do UKIP  [o Partido de Independência do Reino Unido, um partido da direita britânica], socialismo em um só país levado aos extremos. Mas refletem em certo grau nas outras duas. Eles lançaram uma nova publicação "provando" que Joe Stálin estava certo nos "Processos de Moscou" de 1936-9. Mas, por outro lado, estão definitivamente a favor da derrota do imperialismo angloamericano e da vitória de Donbass. Tanto eles quanto o NCP celebraram a vitória em Debaltseve, o único grupo político além do Socialist Fight/ Comitê de Ligação para a Quarta Internacional que fez isso. Eles não militam no movimento trabalhista britânico, tendo o tradicional desprezo maoísta pela classe trabalhadora urbana como sendo simplesmente burguesa.

O NCP se posiciona muito bem na Ucrânia mas o artigo sobre as greves de ônibus em Londres é comparável ao do Workers Party, que girou para a direita na política doméstica; ele aceita a boa fé dos burocratas, que estariam fazendo seu melhor pelos motoristas explorados pelas empresas de ônibus. A noção de que tais burocratas pudessem ser cúmplices dessa exploração não foi considerada. Um pedaço de propaganda ultraesquerdista contra um decente grupo de camaradas. Você não pode ser ao mesmo tempo antiimperialista e anti-trabalhadores, apesar de muitos tentarem. Em algum momento as contradições amadurecerão e uma se sobressairá sobre a outra

E também o "Morning Star", cujos dois porta-vozes participaram da SARU também, obviamente representantes da tendência esquerdista do partido. Mas, falando sério, examine qualquer cópia do "Morning Star" e ficará claro que se trata da voz da burocracia do TU, os apologistas de todas as burocracias de esquerda e apenas levemente críticos dos burocratas de direita. E, também suave e hesitantemente, críticos do Trabalhismo. A revolução é uma memória distante, apenas sonhos reformistas desconectados da política diária.

Mas na luta contra o imperialismo o stalinismo deve ser criticamente apoiado, assim como apoiamos Trabalhistas contra o [partido conservador] Tory. Escolher o imperialismo contra aquilo que nada mais é que parte do movimento da classe trabalhadora, como o Partido Trabalhista, é traição de classe, levando a stalinofobia ao extremo do anticomunismo e do social-chauvinismo. O Partido Comunista combate o fascismo na Ucrânia porque está obrigado em razão de sua sobrevivência e de sua história, assim como Kadaffi, Assad, Saddam, o Talibã, al-Qaeda e ISIS o enfrentaram ou estão enfrentando, apesar de anteriormente terem sido clientes do imperialismo.

Podemos sugerir seriamente que o stalinismo é mais ou menos contrarrevolucionário que o Partido Trabalhista britânico, por exemplo? São ambas tendências contrarrevolucionárias internacionalmente, mas de formas diferentes, como falamos acima. Nessa diferença, assim como nos conflitos entre o imperialismo angloamericano e o imperialismo franco-germânico, o trotskysmo revolucionário deve buscar seu caminho. Porque é dessa crítica que o trotskysmo revolucionário se reconstruirá.

Notas

(1) Workers Power’s backsliding on Ukraine- link

(2) Reply by the LCFI to the Resignation of Laurence Humphries from the Socialist Fight Group/LCFI- link

Adendo

Trotsky: Teoricamente é possível apoiar o candidato stalinista. É uma forma de aproximação com os trabalhadores stalinistas. Quero dizer, sim, conhecemos esse candidato. Mas daremos apoio crítico. Podemos repetir em pequena escala o que faríamos se Lewis fosse indicado.

Teoricamente isso não é impossível. Seria difícil, é verdade- mas por ora é apenas uma análise. Eles, é claro, diriam, não queremos o seu apoio. Responderíamos, não apoiamos vocês, e sim os trabalhadores que apóiam vocês. Nós lhes alertamos, mas seguimos com eles na experiência. Esses líderes trairão vocês. É necessário encontrar uma aproximação com o partido stalinista. Teoricamente não é impossível apoiar os candidatos deles com advertências duras. Isso os guiaria. O quê? Como?

Kay: Mas em Boston os stalinistas não admitiriam sequer que passássemos pelo portão. Eles chegaram a expulsar nosso camarada.

Trotsky: Eu sei. Eles até mesmo atiraram contra nós. Mas dezenas de milhares de trabalhadores estão com eles. Eu não sei exatamente quantos. É difícil determinar. Claro, nós sofreríamos a indignação de Burnham. Shachtman diria, "vejam, eu previ isso: capitulação ao stalinismo". Haveria mesmo uma considerável aversão em nossas fileiras. Mas a questão são os trabalhadores stalinistas. A classe trabalhadora é decisiva. Com garantias, alertas, por que não considerar isso? Browder é uma canalha pior que Lewis? Eu duvido. Ambos são canalhas.

(fonte)
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